Publicado originalmente em Gazeta de São Paulo em 23/06/2020
Formalmente, um golpe de Estado é uma ruptura da ordem constitucional. Na prática, quando um governo legítimo é derrubado por meios ilegais, diz-se que houve um golpe. Quem pensa que para isso é imperativo o uso da força, como nas versões militares que abalaram a América Latina no século passado, está enganado. Eles podem ser muito menos retumbantes do que isso.
É importante que este conceito esteja claro, não apenas para resgatar a movimentação que tirou a presidenta Dilma do governo, mas principalmente pelo perfil golpista de Jair Bolsonaro, o mais autoritário entre os presidentes eleitos em regimes supostamente democráticos no mundo atual. A razão principal que suscita esta discussão, no entanto, é a pergunta cada vez mais recorrente na sociedade brasileira: o risco de um golpe de Estado hoje no Brasil é real?
No caso de Dilma, a forma ilegal como o processo de impeachment foi conduzido, com escutas telefones irregulares; ausência de crime de responsabilidade; perseguição pelos meios de comunicação e manobras de auto-sabotagem no Congresso não deixaram dúvidas da ocorrência de um golpe jurídico-parlamentar. No governo Bolsonaro, no entanto, a resposta é mais complexa do que gostaríamos.
Quando interrogado sobre a possibilidade das forças armadas protagonizarem um golpe, o chefe da Secretaria de Governo, general Eduardo Ramos, alertou: “O próprio presidente nunca pregou o golpe, agora, o outro lado tem que entender também o seguinte, não estica a corda”. Tal declaração transparece que o golpe talvez já esteja em curso, uma vez que utilizar as forças armadas para fazer ameaças à opositores é absolutamente incompatível com um regime democrático.
Ameaças que o próprio presidente faz à imprensa; à parte da população que diverge de sua ideologia; aos poderes constituídos e que podem inclusive estar intimidando parte do Congresso. Se deputados e senadores ou a população com um todo deixarem de tomar alguma atitude por medo das consequências decorrente destas ameaças, por parte do presidente ou de seus ministros militares, pode ser um sinal de que o golpe já foi dado.
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