Publicado originalmente dia 26/03 em Congresso em Foco
Muitos já devem ter lido notícias sobre as dezenas de milhares de kits que o governo Federal comprou da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) para identificar contaminações por Coronavírus. Os kits foram desenvolvidos pelos institutos de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos) e de Biologia Molecular do Paraná (IBMP). A Fundação também está capacitando laboratórios públicos de todo o País para realizar os testes. Não à toa, a Fiocruz é considerada a instituição de ciência e tecnologia em saúde mais importante da América Latina. Além dos testes de Coronavírus, a fundação proporciona economia anual de R$ 300 milhões aos cofres da União com a venda de vacinas por preços abaixo da média de mercado. Isso só é possível através das chamadas Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDPs), tipo de colaboração do poder público com a iniciativa privada para fabricar remédios e imunizantes. A instituição foi criada em 1900, pelo sanitarista Oswaldo Cruz, médico bacteriologista, epidemiologista e sanitarista pioneiro no estudo das moléstias tropicais e da medicina experimental no Brasil. No final do século XIX e início do século XX, Cruz combateu o surto de peste bubônica registrado na baixada santista e outras cidades portuárias. Enfrentou ainda a febre amarela no norte do País e foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Ciências, inaugurando ao lado de outros cientistas o que se tornaria uma forte orientação sanitarista brasileira. Outro médico sanitarista brasileiro de destaque naquele período foi Carlos Chagas, o primeiro a descobrir, na história da ciência mundial, o ciclo completo de uma doença, posteriormente intitulada “Doença de Chagas”. A partir de então, o médico brasileiro virou referência mundial no combate a moléstias tropicais. O Brasil estava, definitivamente, no mapa dos grandes pesquisadores. Algumas décadas depois, somaram-se à estes grandes nomes o da cientista Johanna Döbereiner, que em 1950 identificou tipos distintos de bactérias fixadoras de nitrogênio, o que hoje se sabe que permite a nutrição das raízes das plantas. Com isso, o impacto ambiental foi reduzido no processo produtivo e barateou-se a produção de culturas como a da soja, por exemplo. Em 1957 o geneticista Crodowaldo Pavan, descobriu a amplificação gênica, transformando para sempre os estudos sobre o DNA. Portanto, a ciência brasileira sempre teve destaque na produção de conhecimento científico de destaque no cenário mundial. Entretanto, foi sobretudo nos anos 2000, em especial a partir do governo do ex-presidente Lula, que o Estado assumiu a tarefa de organizar um projeto de desenvolvimento científico soberano e que trouxesse resultados práticos para a população. NO GOVERNO LULA Segundo relatórios do Ministério da Saúde, através das Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo, laboratórios públicos forneceram só nos últimos oito meses de 2019 um valor superior a R$ 1,8 bilhão em remédios para o Sistema Único de Saúde (SUS). Chegar até este ponto só foi possível porque houve decisão política e investimento público em ciência e tecnologia. Em 2007, por exemplo, o então presidente Lula inaugurou o Centro de Produção de Antígenos Virais (CPAV) do Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Biomanguinhos) da Fiocruz, capaz de fabricar 100 milhões de doses de vacinas virais por ano. Outra área da ciência médica em que o Brasil se destacou, com forte investimento principalmente a partir de 2006, foi no combate ao HIV/AIDS. Uma parceria entre o Ministério das Relações Exteriores e o Ministério da Saúde, projetou internacionalmente o Sistema Único de Saúde (SUS), no Programa Nacional de DST, mas também na Vigilância Epidemiológica e de Fármacos e Imunobiológicos. RESULTADOS A MÉDIO E LONGO PRAZO Recentemente pesquisadores e cientistas brasileiros encantaram a comunidade internacional: na cerimônia de abertura da Copa do Mundo de 2014, no Brasil, o neurocientista Miguel Nicolelis realizou uma demonstração pública fantástica, de um exoesqueleto controlado pelo cérebro de um paciente tetraplégico. Um ano depois, em 2015 a especialista em medicina fetal Adriana Melo, pesquisadora paraibana, identificou a relação entre a existência do vírus da zika e casos de microcefalia em fetos. O DESMONTE NO GOVERNO BOLSONARO Apesar da vital importância da Fiocruz, em 2019 o Ministério da Saúde suspendeu 19 contratos de PDP's com a fundação. O governo Bolsonaro foi além: na ocasião, o então ministro da Cidadania, Osmar Terra, disse que não acreditava em pesquisa da entidade que contrariava o entendimento do governo sobre uma suposta epidemia de drogas no País. Isso tudo após um estudo apontar que o governo economizara R$ 20 bilhões em oito anos, com a aquisição de remédios e outros produtos. Hoje, o governo Federal precisa da Fiocruz e de fortes investimentos em pesquisa científica, no entanto corta recursos e age como se tivesse apoiado a instituição desde sempre, mesmo que venha tentando extingui-la. Felizmente, governos anteriores fizeram grandes investimentos na Fundação, como também em outras áreas importantes do conhecimento em Saúde, mas isso não é o suficiente para garantir a continuidade das pesquisas. Afinal, estamos sob comando de um governo com um projeto ideológico superado no Século XVIII que despreza o conhecimento, a ciência e tudo aquilo que utiliza inteligência, tratando direitos como se fossem favores que devem ser eliminados em prol de um punhado de empresários ricos apoiadores de suas ideias absurdas. Ao desmontar as instituições de pesquisa e desenvolvimento científico, o governo Bolsonaro não está apenas atacando as gestões petistas, mas destruindo um legado nacional centenário, um patrimônio do povo brasileiro. Soma-se a tudo isso, o protocolo para enfrentar pandemias, desenvolvido pelo ex-ministro da Saúde, Alexandre Padilha. Felizmente, quando fomos atingidos pelo Coronavírus, Bolsonaro ainda não havia conseguido extinguir o documento, do contrário, a situação seria ainda pior.
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